domingo, 20 de julho de 2008

POOORRAAAAAA!!!! DERCY TÁ POR AÍ!

Quando eu era criança, uma senhora (ela já era bem se-nhora) aparecia na TV falando um monte de palavrões e aqui em casa todos a recriminavam em tom de deboche, mas ninguém mudava de canal. E, às vezes, mudando de canal, quando ela aparecia em qualquer uma das sete emissoras que existiam, ali o dedo parava de apertar os botões e a família ria com os impropérios ditos em época de abertura democrática brasileira. Dizer "bunda" nesses tempos era ainda considerado um escândalo e o que ela falava podia levar, poucos anos antes, a emissora a sair do ar. Hoje, olhando o passado, essa senhora chamada Dercy Gonçalves era o alter-ego da sociedade brasileira, falando palavrões que ficaram engasgados na garganta do povo durante as duas décadas de censura.

Dercy Gonçalves viveu mais de 100 anos. Ela é de um tempo em que diversão para as massas estava começando a existir. Viu e viveu todo advento da tecnologia e foi capaz, ainda lúcida, de participar da primeira transmissão em HD do SBT (emissora com quem tinha contrato vitalício) num dos quadros do programa Sílvio Santos que, diga-se de passagem, a adorava. Viu e viveu toda a política brasileira que se alternou entre democracias e ditaduras. Aliás, quando nasceu, nem as mulheres podiam votar e as atrizes eram consideradas prostitutas.

Com mais de 90 anos, Dercy colocou os seios pra fora e desfilou por toda a Marquês de Sapucaí. Encarei aquele gesto acidental (pois a culpa foi do vestido que conforme ela levantava os braços, os seios tentavam escapar) como uma feroz crítica: por um lado, àquelas meninas com o corpo escultural que dançavam nuas; por outro, que “esse negócio de idade não existe”, como tantas vezes a própria Dercy falou.

Tivesse ela nascido nos Estados Unidos, colocaria Madonna no chinelo e seria assunto para as mais desenfreadas feministas. Tivesse ela nascido lá, não teria sido Dercy Gonçalves. Dercy era o retrato fiel do povo brasileiro: contraditório e coerente, lúcido e alienado, desbocado e recatado, religioso e ateu, popular e elitizado, colonizador e colonizado, alegre e melancólico.

Esta senhora foi extremamente homenageada em vida por diversas emissoras, pelas mais diversas gerações de humoristas, atores, atrizes de rádio, de cinema, de teatro e de televisão, apresentadores de programas e animadores de auditório. Todos são categóricos em afirmar que ela serviu sempre como inspiração e tinham por esta senhora desbocada um profundo respeito.

Ary Fontoura disse hoje na Globo News que Dercy inventou o palavrão carinhoso. Dercy inventou mais! Foi a precursora, sem saber, do Rock’n Roll, cuspindo na platéia, dizendo que os jovens tem o direito de errar (quantas pessoas pensam assim?), jogava a bengala como um metaleiro quebra a guitarra e, convicta, aos 102 anos, dizia que seus palavrões não tinham nada demais: “palavrão não é Porra! Você veio de porra! Palavrão é fome!”. Também não seria demais afirmar que ela provavelmente foi o maior expoente do teatro do improviso no Brasil. Dercy era um gênio, pois sabia a pausa certa para colocar o palavrão e quando ele saia fazia todo mundo gargalhar.

Coloco aqui o link para dois vídeos e um de fotos de Dercy Gonçalves para os possíveis interessados:

Esta senhora foi um daqueles ícones que conheci criança e parecia que jamais iria morrer. Na tarde deste dia 19 de junho ela se foi. Quando contei pra minha mãe por telefone, ela fez uma pequena pausa e disse logo em seguida: “nossa, ela morreu!”. Espanto e compaixão eram percebidos na sua voz. Foi a mesma reação que eu vi com todos quando ficaram sabendo. Dercy sempre foi adorada!

Dercy não acreditava em Deus. Ou melhor, quando dizia Deus, se referia à Natureza. Não acreditava em vida após à morte, tinha a certeza de que sua energia apenas voltaria à natureza. Quando indagada se teria medo da morte, ela dizia: “Não tenho medo de morrer! Não tenho medo de viver!”. E Dercy Gonçalves viveu intensamente cada minuto de sua vida e escreveu seu nome na história da arte no Brasil.

Dercy não morreu, viverá pra sempre por aí. Pooorraaaa!!!!

Nilton Serra

3 comentários:

Anônimo disse...

A Dercy trouxe para o povo brasileiro não apenas a irreverência e a liberdade, mas reinventou a função catártica do palavrão! Palavrão é a liberdade do expressar, Dercy era a liberdade de viver. Viveu contra as normas do tempo, da beleza e da lógica!
Muito bacana a sua homenagem! Dercy Gonçalves merece!!!
Abraços,
Vinnie

Anônimo disse...

Dercy, nossa eterna!
O tempo passou, mas não arrancou de nóis brasileiro o amor por ela.
Ela foi brilhar no céu junto as nossos mais amados cantores.

Tiago Haiden disse...

a dercy era original, autêntica, não tinha medo.

abço.