Certa vez, Janis Joplin, numa entrevista para o biógrafo
David Dalton, comentou: “No palco eu faço amor com 25.000 pessoas, depois eu vou para casa sozinha”. Creio que a frase sirva para milhares de cantores famosos neste planetinha azul no canto da galáxia, levando em consideração as maravilhas que seus respectivos cantos fazem a nós, comuns mortais.
A partir desta semana já estão disponíveis nas lojas em todo o país o aguardadíssimo (pelos fãs) CD da Biscoito Fino
Amigo é casa, parceria de Simone e Zélia Duncan - gravado nos dias 12 e 13 de outubro de 2007, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.
E o que ele representa? A orgia de duas grandes cantoras com seu público! Calma! Quando falo de orgia, falo do prazer imenso que vimos em Simone e Zélia de estarem naquele palco. Da emoção de centenas de fãs, de uma ou outra cantora, ou de ambas, de estarem ali testemunhando aquele momento tão raro em nossa música.
“Nunca a metade foi tão inteira”O palco não foi dividido em dois, Simone pra lá, Zélia pra cá. O palco foi um só! O público também se uniu, com raríssimas exceções, pois se antes as pessoas torciam por uma ou outra, saíram
encantados com as duas: Zélia por trazer para o seu repertório canções como a gigantesca e sensacional “A Companheira”, de Luiz Tatit, a emocionante “Cuide-se bem”, de Guilherme Arantes, a lúdica “Kitnet”, de Alzira E. e Arruda, e a esperançosa (!!!) “Na Próxima Encarnação”, de Itamar Assumpção, que dialoga com “Cigarra”, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, homenageando a parceira-Diva.
Simone, por sua vez, resgatou pérolas do seu repertório como a contagiante “Diga lá meu coração”, de Gonzaguinha, a erótica “Medo de Amar nº 2”, de Sueli Costa e Tite de Lemos, a filosófica “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant e a sensacional “Vou Ficar Nu Pra Chamar Sua Atenção”, de Roberto e Erasmo Carlos.
Na voz das duas, podemos escutar a arrebatadora “Alguém Cantando” e a esfuziante “Gatas Extraordinárias”, de Caetano Veloso (esta última ele compôs especialmente para a voz de Cássia Eller – homenageada pela Formiga e pela Cigarra neste trabalho), a impactante “Petúnia Resedá”, de Gonzaguinha, a criativa e singela “Grávida”, de Arnaldo Antunes e Marina Lima, a firme “Mãos Atadas”, de Simone Saback, a empolgante “Meu ego”, de Roberto e Erasmo Carlos, os sambas “Ralador”, de Roque Ferreira, e “Tô Voltando”, de Maurício Tapajós, ambos com parceria de Paulo César Pinheiro, e, por fim, o rock “Agito e Uso”, da inigualável Angela Ro Ro. Na minha opinião, a única que entrou a mais no disco foi “Idade do Céu”, de Jorge Drexler e Paulinho Moska. A mais, pois já havia sido trabalhada num molde muito semelhante no último CD de Simone. Nesse caso, acharia muito mais interessante “Mar e Lua”, de Chico Buarque, interpretada no show, mas que infelizmente não entrou no CD (mas estará no DVD!).
Como o CD, pode-se esperar o mesmo do DVD, que vem com mais cinco músicas e, onde, segundo fonte preciosa, a iluminação e o cenário ganharam mais força na TV.
“Há palavras, existem letras”
Muito já foi dito antes de conhecer o resultado final do CD/DVD
Amigo é Casa. Muitos dos que falam criticando por criticar, não conhecem as múltiplas transformações de sucesso de Zélia Duncan ao longo de sua carreira (no máximo, sabem que ela é a cantora de “Catedral”), e outros acham que Simone sempre foi a cantora do massificado
25 de dezembro, desprezando sua importância na MPB. Vários críticos musicais encaixam-se nesta categoria. Outros, no entanto - no Orkut, em blogs etc. -, por não gostarem, chegam ao ponto de criticar o disco, questionando
pejorativamente a sexualidade das cantoras. Sim, ainda há gente assim! Para não gostar, acredito que precisa ter fundamento: explicar por A+B o motivo pelo qual não gostou do recente trabalho.
Abobrinhas não! Por favor, hein?! rs
Por outro lado, vários meios de comunicação estão fazendo um estardalhaço em torno do projeto. Críticos musicais, com fundamento, andam explicando o motivo de classificarem como bom ou excelente o atual trabalho de Simone e ZD. Cada qual ao seu modo. Aqui também, um crítico musical precisa falar o porquê gostou. E muitos, ainda bem, têm feito isso.
“Tô voltando”
Duas cantoras no mesmo palco, num universo tão feminino como é o da Música Popular Brasileira poderia representar mais do mesmo. No entanto, não quero estar errado, mas tal encontro resgata definitivamente Simone dos percalços encontrados na escolha do seu repertório em discos que atravessaram a década de 80 e 90, entrando em contato, agora, com compositores como Arnaldo Antunes, Luiz Tatit, Alzira E., Arruda, Simone Saback (que faz Simone apresentar seu lado “Cássia Eller”) e, óbviamente, Itamar Assumpção, sem perder suas raízes lembrando do seu pioneirismo e história de sucesso com releituras de composições de Gonzaguinha, Sueli Costa, Milton, Roberto, Erasmo etc, necessárias nesse trabalho para apresentar uma Simone linda e renovada como todos esperavam e torcem, com uma banda pra lá de atual, contando com a presença de músicos como Walter Villaça, Webster Santos, Léo Brandão, Ézio Filho, Jadna Zimmermann e Carlos César.
Por outro lado, o show apresenta a versátil Zélia Duncan como uma poderosa síntese dos atuais caminhos que passa a nossa canção. Um músico, senão estiver em constante renovação, buscando sempre melhorar, arriscando, aprendendo, errando, ele pára, estagna, e tudo que Duncan demonstra não querer é exatamente isso. E está conseguindo: vai do pop ao rock, do jazz ao samba, do folk ao mambo, do complexo ao simples. Faço plágio do atual e renovado sucesso de Ney Matogrosso, lembrando que um artista tem que ser inclassificável – até para criar confusão entre os críticos – e Zélia está sendo.
“O mundo, bola tão pequena”Quando eu era criança, Simone fazia parte do meu universo, e passei a adolescência negando-a e curtindo-a (como já escrevi em outro momento neste blog), aí surgiu a Zélia na minha vida, num 1º de outubro de 2005 (como também já escrevi neste blog!). Corri atrás, me nutri, ingeri e vou degustando e deglutindo até minha razão e emoção permitirem.
Um dia, assistindo ao filme Closer – Perto demais, escutei uma música chamada “The Blower’s Daughter”, que abria a película. Adorei, fui atrás do cantor e descobri que se chamava Damien Rice. O cara nem tinha disco no Brasil. Esperei laçarem e na mesma semana que chegou nas lojas, ansioso, comprei! Mesmo sem compreender inglês, o disco todo me tocou profundamente.
Num dia - nem lembro como - descubro que Zélia Duncan não só conhecia o disco como tinha feito a versão para a música de Closer e quem cantaria seria justamente Simone. Não sou fã de versões, mas o fato em si mexeu comigo: as duas cantoras que eu admirava estavam juntas! Uau! A partir daí, para resumir, Zélia participou do disco da Simone, fizeram os dois shows do Tom Acústico em Sampa e no Rio (que infelizmente eu não pude ver nenhum dos dois), até chegar o dia 12 e 13 de outubro de 2007!
Lembro-me que no dia em que foi confirmada aquela história dos shows - que já rolavam os burburinhos entre os fãs – quase tive um treco e pensei: nesse eu vou! Convenci o Vinícius a irmos aos dois dias. Não foi difícil, era só fazer uma carinha de pidão que ele aceitou na boa (rs). E eu fui! Vi, ouvi e vivi cada segundo daquela poesia especial e mágica, simples e encantadora. De sobra, ainda ganhei um abraço muito forte da Zélia e um beijo da Simone. Não tinha forma melhor para acabar o fim de semana. Passamos, Janaína, Vinícius e eu, a madrugada encalacrados numa pizzaria perto da Av. Paulista, pois sem condução, não tínhamos como voltar para casa. E sonhamos acordado o que tínhamos vivido naquela noite de primavera escutando as vozes de duas pessoas cantando nesse planetinha azul, nessa imensidão.
Naqueles dias, contrariando Janis Joplin, nós, e com certeza, Zélia Duncan e Simone não voltamos sozinhos para casa, pois algo especial e inexplicável aconteceu, mas só quem esteve lá pôde constatar...
Nilton
PS: Agradeço à ajuda que o Vinícius deu em algumas questões técnicas do texto :-p
As fotos são de divulgação da Biscoito Fino.